terça-feira, 6 de setembro de 2016

E quando amamos alguém doente?



E quando amamos alguém doente?
Como fazemos? Submeter-nos? Reagimos como?
A doença não precisa de ser física. Mas dói. Não precisa ser temporária, pode ser para sempre!
Não sabemos a cura! Não sabemos até quando! Não sabemos a extensão que ocupa!
Só sabemos que ela existe, está lá. Acompanhamos, sofremos, definhamos em conjunto, mas um definhar diferente. Um definhar angustiante de quem tenta tudo para ajudar e não consegue. De quem se sujeita a tudo mas pouco muda. De quem se coloca em risco de vida porque acredita que o amor pode superar tudo, até uma doença com nome, mas que os leigos desconhecem como se evidencia, como interpretar muitos sinais, e que o doente consegue ocultar muitas vezes, e se reveste numa personagem que precisa criar para a sociedade não o tratar como doente ou … apenas diferente!
Como lidar com o amor e conciliar com a sua raiva, com as suas agressões de tantas as formas, a sua inquietude, angústias, pouca tolerância à frustração, todas as insanidades temporárias em que a transformação ocorre e que o nosso amor desaparece e surge outro individuo que desconhecemos, como tratar esse que é o mesmo mas que não amamos…?
Como ficar ao lado de quem amamos mas não confiamos na sua sanidade?
Como confiar em alguém cujas promessas são apenas palavras para manipular, acreditar e não perder o pequeno elo com a sociedade em que se tenta integrar.
Como perdoar depois? Como viver com as marcas, as memórias do mal que se aceitou, das imagens que se prendem como lapas a cada passo que damos, sabendo o quão foi real e não um pesadelo que nunca seria expectável com tamanho amor.
Como viver depois sem esse amor? Como olhar para todos e não sentir a dor por amar ainda e ter que abdicar porque faz mal? Porque amar quem nos faz mal e faz mesmo mal. Amar tanto torna-nos também doentes? Sou doente por amar alguém louco, insano?
Como fugir e encarar o futuro, livre mas presa à angústia da perda?

Fugi da morte certa, e encontrei uma morte dentro de mim…se posso ainda assim respirar, sim posso, a vida continua, respira-se todos os dias, sente-se o alívio de sentir ainda o ar, mas a angústia da incompletude, do membro que nos falta. Sim, vivemos sem um membro, ou vários membros, ou quase sem nada, aliás sobrevivemos no pior dos cenários … e foi isso que fiz de uma forma e que farei de outra, a diferença é que desta vez a probabilidade de continuar a respirar é possível!

Se penso que um dia destes esta história será apenas uma história triste, um capitulo triste da minha existência, uma aprendizagem, um caminho que tive que fazer? 
Acho que não, acho que nunca pensarei assim, penso que sempre verei isto como algo que lutei, que quis tanto, que fui até onde já não podia mais e que falhei, que fiz um caminho lamentável, que vivi o que não deveria sequer ter espreitado, que me consumi, desgastei porque não fui forte o suficiente, porque fiquei cega, porque fiquei burra, porque fiquei irracional, doente e porque essencialmente me desvalorizei, e desvalorizei a vida e me contentei com migalhas de pão duro e bolorento. Tornei-me sua, uma coisa que lhe pertencia, era dele como me dizia, como se tal fosse possível alguém possuir alguém, mas a verdade é que conseguiu que eu fosse totalmente dele, depois de abandonar amigos, de me isolar e de me dedicar exclusivamente à sua causa ficou muito pouco espaço para tudo o resto. 
Habituei-me a ter pouco, a não contar com ninguém, a procurar e a desenvencilhar-me de tudo, de achar que tudo é possível com esforço e dedicação, que nenhum desafio é impossível, existe sempre uma forma de tentar pelo menos ultrapassar, de passar mais um dia...
Qual a lição a tirar daqui, que é melhor não lutar demais? Que tudo o que nos exige mais do que devemos dar não devemos dar? Quando é que constatamos que estamos a dar mais do que podemos? Quando já demos? Quando já passamos a linha do razoável, quando já não é confortável. Como parar de dar? Como ver novamente por baixo da cegueira do novo mundo que criamos à margem do normal, com a nossa nova normalidade, o que é aceitável tem novos rumos, novas regras…e deixamos de saber o que é normal…
Vivi uma vida que não era minha, vivia tanto os seus problemas que os absorvi por osmose de partilha de vida, não deveria? Os problemas de quem gostamos não são nossos? 
Não, de facto não são, mas como pessoa que sou não conseguia ignorar, não conseguia ficar indiferente, não ajudar, não opinar, não sofrer. 
Porque ajudar quem não quer ser ajudado? Porque sofrer com um sofrimento que se quer manter, que não se sabe lidar, e que por convicção não se reconhece…?
Serei eu louca por tentar ser normal com alguém longe da normalidade? 
Vi um vídeo, há algum tempo atrás que me marcou, de um doente que cantava para o seu amor, amava-a loucamente, ela amava-o loucamente, e era mesmo isto loucamente, até que os dramas surgiram, as loucuras aumentaram, ela não era louca, e vivia ali a tentar adaptar-se na loucura, e não resistiu, tentou, tentou, não resistiu não se poderia anular para sempre em prol do outro, e ele chorou, chorou sentindo-se genuinamente triste e abandonado, o seu amor foi embora...
E é isto, fui embora também, ninguém consegue viver a loucura do outro quando se é sã.
Ficou o vazio de tanto sofrimento a que me habituara, de tanto tempo que lhe dedicava, de tanto esquecimento de mim mesma, agora a ansiedade consome-me por não saber o que fazer ao tempo...o que fazer a mim mesma, o que sinto? Como escapar de mim mesma... 
O tempo.. agarro-me a ele como uma bóia de salvação, meu pior inimigo e maior amigo. 
Parece que se arrasta lentamente como se tivesse prazer em me magoar, em me fazer sentir que dói, que não tenho para onde me virar, que tenho que me concentrar em mim, que eu existo, que preciso de me localizar e me encontrar novamente.

Normalmente para mim estava tudo bem, só tinha que me concentrar nos problemas dos outros, resolver, acompanhar, tratar, comigo não havia problema nenhum, estava tudo arrumadinho, estava tudo numa secção qualquer empoeirada porque era pouco interessante para remexer. E agora? Tenho que limpar o pó? Como fazer isso? Não quero...não sei como o fazer...só queria no fundo hibernar e acordar depois da poeira assentar definitivamente!
Sinto no entanto que sou capaz de enfrentar o mundo, lutar, desafiar, viver intensamente, mas de forma incoerente faz-me falta, já não consigo é concretizar do que sinto falta. Será da luta? Do desafio, da adrenalina de existir sempre qualquer problema, qualquer contrariedade, que me fizesse posicionar no formato de ajudar, de garantir uma solução, de equacionar, de activar neurónios para contornar e conseguir ultrapassar.
Será a minha vida um tal tédio que me faça querer viver a vida dos outros para sentir, será que sou insuficiente para me satisfazer a mim própria? Acho que respondo às minhas questões com as mesmas. Custa ler/ouvir-me expressar estas dúvidas, custa-me sentir que esta será a verdade, e ainda me custa mais saber que não sei o caminho para alterar isso, e que o meu destino será procurar problemas para resolver, como quem gosta de resolver quebra-cabeças!

Não existe página de resolução para estes exercícios, e os que falhamos têm efectivamente consequências, não só para mim mas para quem me rodeia também, e pior para quem eu gosto muito e por quem daria a vida e que ainda assim promovi a sua insegurança.
Não consigo perdoar-me, sinto revolta comigo mesma, e queria apenas conseguir não sentir nada, conseguir viver sem viver apenas estar, sentir indiferença viver sem furor, sem calor e ausente mas presente apenas para aquilo que precisamos fazer...mas sei que isso não é compatível com a minha forma de ser...que sinto esta vontade sempre de fazer a diferença de mudar o mundo, de fazer mostrar que tudo é possível...porquê? para quê? Não consigo sequer entender-me...e com isto tudo bati no poço, aquele poço que já conheci e que jurei não voltar...
Mais uma vez...
 
 




Sem comentários:

Enviar um comentário